O diretor da clínica Casa de Acolhimento Feminino Água Viva, Fábio Luna dos Santos, foi condenado pela Justiça a pagar R$ 390 mil às vítimas mantidas em cárcere privado na unidade. De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) a indenização é coletiva e individual. São R$ 50 mil em danos coletivos e R$ 10 mil a cada uma das vítimas.
O caso foi julgado pela 1ª Vara Cível da Comarca do Crato, cidade onde fica a clínica. "Conforme o processo, 34 mulheres eram mantidas em cárcere e em condições sub-humanas na referida casa de acolhimento", disse a Justiça.
Em agosto de 2021, Fábio foi preso sob suspeita de cometer os crimes de abuso sexual, maus-tratos, apropriação de benefícios e cárcere privado. Na época a situação chegou até as autoridades quando uma das vítimas conseguiu enviar um bilhete contando o que acontecia no local.
"Na contestação, Fábio Luna alegou que o referido bilhete foi fraudado com o intuito de impulsionar uma perseguição injusta visando a obtenção de proveitos econômicos", segundo o TJCE.
O suspeito chegou a dizer na Justiça que restringiu visitas às mulheres devido à pandemia, "bem como sustentou que as únicas atividades as quais as internas eram submetidas se relacionavam a terapia de grupo ou individual, acompanhadas por profissionais habilitados".
A defesa dele não foi localizada pela reportagem para comentar sobre a decisão.
A condenação na esfera cível veio no último dia 8 de abril. O juiz entendeu que a existência de compartimentos semelhantes a celas, com portas gradeadas e sistemas externos de trancamento, configuravam situação de potencial restrição de liberdade das internas, caracterizando a prática de cárcere privado.
"A privação de liberdade, associada às condições sanitárias precárias, caracteriza grave violação à dignidade humana, ferindo não apenas os direitos individuais das internas, mas também os valores coletivos de proteção às pessoas vulneráveis, especialmente aquelas com transtornos mentais. Cada uma dessas mulheres sofreu danos específicos à sua personalidade, sendo submetidas a tratamento desumano que incluía confinamento em celas sem condições mínimas de habitabilidade, restrições severas de alimentação, obrigação de realizar trabalhos forçados, ausência de instalações sanitárias adequadas, além de abusos físicos e psicológicos", escreveu o Juiz José Batista de Andrade.
O réu também está proibido de exercer qualquer atividade relacionada ao acolhimento, tratamento ou cuidado de pessoas com transtornos mentais pelo período de cinco anos.
Em 2022, o diretor da clínica foi condenado na esfera criminal por cárcere privado e absolvido da acusação de maus-tratos. A decisão ainda inocentou por completo a mãe do denunciado que, conforme as vítimas, agia como comparsa dele no cometimento dos crimes.
A pena definitiva para Fábio neste processo é de dois anos, 11 meses e 18 dias de reclusão. No entanto, na época, já foi determinado que ele fosse solto.
O magistrado considerou que o réu é primário, tem conduta social favorável e justificou o crime como tentativa de proteger as vítimas de acidentes e agressões quando em surto psicótico.
A reportagem conversou com duas delas e parentes, sob condição de não terem suas identidades reveladas. Nos autos com pedidos de indenização por danos morais acompanhados pelo Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Ceará, mais histórias corroboram que aquele ambiente era cercado por violência física e psicológica.
Os atos de violência eram constantes e começaram ainda em 2017, segundo Elizângela (nome fictício). Logo na primeira internação, em um dia que ela colhia frutas, Fábio se aproximou e propôs que fizessem sexo oral um no outro. Então saiu dali rindo. Como quem tivesse feito uma piada. Episódios como este se repetiram com mais gravidade com o passar dos meses. A cada ida de Elizângela ao Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) acompanhada pelo diretor da clínica, um novo crime sexual.
"Passava a mão no meu corpo, segurava minha perna, tocava nas partes íntimas por cima das roupas. Aí veio um fim de ano, de 2018 para 2019. As outras mulheres dormiram e ele veio para a minha cama. Tocou nos meus seios e só parou quando ouviu o portão batendo. Fiquei com medo, era um terror paralisante, porque eu sabia que todas as outras mulheres da clínica estavam dormindo dopadas com medicação", contou.