O ano é 1905. Sigmund Freud lança sua teoria do orgasmo feminino, e decreta: mulheres saudáveis alcançam o clímax sexual pela vagina. Orgasmos clitorianos são imaturos, infantis, muito simples de se alcançar e uma evidência de distúrbio mental.
Por muito tempo, a influência do pai da psicanálise seguiu importunando hábitos sexuais mundo afora e incontáveis gerações de mulheres cresceram ouvindo que havia dois tipos de orgasmos.
Mais ainda: acreditou-se que haveria um prazer máximo oferecido pela penetração, e que quem não conseguisse chegar lá estava perdendo algo de muito importante. Mas a verdade é que a história não é bem essa.
Muito mudou desde os tempos de Freud. Hoje, se sabe, por exemplo, que as mulheres heterossexuais são o grupo que alcança menos vezes o clímax sexual, chegando ao orgasmo somente 65% das vezes que praticam sexo, segundo um estudo publicado na revista científica Archives of Sexual Behavior. Entre as héteros, apenas 4% disseram que a penetração é o caminho mais fácil para chegar ao pico de excitação.
Ou seja, o clitóris é objetivamente a maior fonte de prazer para a maioria das pessoas com vulva. Fatores psicológicos, sociais — e principalmente biológicos — explicam esse número tão baixo no sexo com penetração.
A verdade é que o grande órgão sexual feminino é, por natureza, o clitóris – ainda que Freud não estivesse preparado para essa conversa. Ele tem um formato de um Y deitado, sendo a "perninha", chamada de glande, a parte mais sensível que fica projetada para fora. É ela que é estimulada no sexo oral, por exemplo. O restante do clitóris se estende por toda a região genital e sua função é proporcionar prazer.
Por outro lado, a vagina é um órgão pouco sensível, sem estrutura anatômica que possa provocar um orgasmo sozinha. O pico de excitação com ela só é possível graças à musculatura perineal — ou seja, quando se estimula as outras regiões da vulva e, por consequência, do clitóris.
Durante a excitação, quando há uma espécie de ereção do clitóris, os músculos se contraem de forma involuntária e contínua. Assim, tudo faz com que o orgasmo seja mais fácil de ser alcançado quando esse órgão é estimulado.
“A distribuição anatômica das estruturas favorece o clímax sexual pelo estímulo clitoriano em pessoas que têm vulva e vagina”, diz Claudia Milan, fisioterapeuta e professora de pós-graduação de fisioterapia pélvica na USF.
Para além disso, a anatomia da região pélvica varia amplamente de corpo para corpo. A localização do clitóris, a angulação da vagina, a distribuição de terminações nervosas e a ativação dos músculos do assoalho pélvico, tudo isso vai de cada uma.
No português claro: ninguém goza da mesma forma que ninguém. Por essa característica, os mesmos movimentos surtem efeitos distintos em cada pessoa, o que explica a chegada ao orgasmo com a penetração ser uma dificuldade para muitas mulheres, segundo Tatiana Zanetic, fisioterapeuta pélvica e host do podcast Além do Prazer Pod.
“Mas sexo não depende só da parte física”, deixa claro Tatiana. Antes dele acontecer, uma série de dinâmicas ditam sua possibilidade e a maneira como ele se desenrolará. Os aspectos psicológicos, principalmente, entram nessa conta.
Medo de não possuir o corpo considerado ideal, ansiedade de desempenho, histórico de experiências sexuais, traumas e falta de comunicação com o parceiro são alguns dos elementos que podem atrapalhar na hora de chegar ao orgasmo.
De fato, a percepção que uma mulher tem de seu próprio corpo e a forma como se relaciona com ele é determinante. Um estudo publicado no Journal of Sex Research, da Editora Rout-ledge, concluiu que a autoimagem corporal negativa está associada a uma menor atividade sexual, menor satisfação e dificuldade em atingir o orgasmo.
Isso sugere que a internalização de padrões estéticos irreais — e até a pressão por um caminho específico para o orgasmo, como a penetração — podem prejudicar a saúde sexual das mulheres.
A ansiedade de performance também pode desencadear um ciclo vicioso no qual o medo de não atingir o orgasmo intensifica as dificuldades em vivenciar o prazer. Por menos lógico que pareça, pensar menos no orgasmo e mais em relaxar geralmente é a saída para chegar ao clímax.
Uma mulher cansada, que precisa lidar com trabalho fora e dentro de casa, também terá mais dificuldade para viver essa experiência. “A sobrecarga de trabalho, especialmente com a dupla jornada, pode diminuir significativamente o desejo sexual e afetar a capacidade de alcançar o orgasmo”, concorda Caio Santos Alves da Silva, doutor em sexualidade pela USP.
Quando a pressão é grande e não há suporte, o cenário se intensifica. “Em sociedades que impõem expectativas desproporcionais sobre as mulheres, em que elas não têm rede de apoio, o estresse crônico pode impactar a capacidade de atingir o orgasmo”, afirma o pesquisador.
Não à toa, casais que dividem as tarefas da casa de forma proporcional ou têm melhor rede de apoio tendem a ter mais relações sexuais, segundo Jaroslava Varella, doutora e professora de psicologia da USP.
Se uma mulher quiser muito viver a experiência do orgasmo com penetração, algumas estratégias podem ajudar na empreitada. Entre elas, o estímulo clitoriano e o beijo na boca. “Ele cria respostas excitatórias na região íntima, como a lubrificação natural, e auxilia no momento da penetração”, recomenda Claudia.
Estimular o ponto G também é indicado. Ele é um pequeno eixo da área genital que se localiza internamente atrás do púbis e ao redor da uretra. Pode ser tocado na introdução de dedos: é rugoso e, ao ser estimulado, provoca uma sensação intensa.
Outro auxiliar são os músculos do assoalho pélvico. “Eles ‘forram’ a nossa região íntima, contribuem na sustentação dos órgãos pélvicos e têm participação na função sexual”, diz Claudia. Esses músculos contraem e relaxam para ajudar a controlar o movimento e proporcionam sensações prazerosas durante a penetração.
O pompoarismo é o conjunto de exercícios de ativação dessa musculatura, o conhecido “contrair e soltar”, ou a popular “piscadinha”. “É como se você quisesse fechar e abrir a vagina. Como em um exercício de academia, existe um número de séries e repetições a serem feitas. É necessário consultar um profissional para descobrir o valor ideal conforme suas particularidades”, acrescenta a fisioterapeuta.
Posições sexuais que favorecem a fricção no clitóris também provocam mais orgasmos. Numa relação heterossexual, uma sugestão é o homem se aproximar da mulher de modo que não somente a penetre, mas também encoste a região pubiana diretamente na glande do clitóris durante o ato.
Ou seja, tanto o tradicional papai e mamãe, quanto as posições em que a mulher ficam por cima são as melhores opções.
A pressão não precisa ser tão grande assim para alcançar o clímax por meio da penetração.
“Orgasmo só com penetração não precisa ser uma meta, um objetivo a ser alcançado a qualquer custo como se fosse uma linha de chegada. Como eu disse antes, a parte mais sensível ao estímulo sexual é o clitóris — e a parte mais sensível do clitóris não é estimulada diretamente apenas com a penetração. A maioria de nós que temos vulva e vagina precisamos de fricção no clitóris para chegar lá", finaliza Claudia.
Ao contrário do que dizia Freud, não tem nada de errado ou imaturo nisso.