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Qual a origem da fortuna dos Rothschild, a lendária dinastia de banqueiros europeus

Publicada em 11/03/24 às 05:57h - 668 visualizações

Ángel Bermúdez, BBC News Mundo


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Qual a origem da fortuna dos Rothschild, a lendária dinastia de banqueiros europeus
Lord Jacob Rothschild morreu esta semana aos 87 anos  (Foto: Getty Images)

Se tudo tivesse corrido como planejado, Mayer Amschel teria se tornado rabino. Mas o destino atrapalhou os planos e, em vez de dirigir uma sinagoga, ele acabou fundando uma das dinastias bancárias mais famosas do mundo: a família Rothschild.

Surgindo de um sinal vermelho (Rot = vermelho, schild = sinal) que distinguia a casa ocupada por um dos antepassados de Mayer na Judengasse, o gueto judeu de Frankfurt, o sobrenome Rothschild é sinônimo de riqueza e poder há mais de 200 anos.

E embora os nomes de seus integrantes hoje não sejam destaque na lista de bilionários da revista Forbes, a família deixou uma marca indelével na política e na economia mundial.

Especialmente durante o século XIX, quando emprestaram dinheiro para financiar as forças europeias que lutavam contra Napoleão e a compra milionária de ações no Canal de Suez pelo governo britânico liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Disraeli.

Mas à medida que ganharam reconhecimento público, os Rothschilds também se tornaram objeto de inúmeras teorias da conspiração que, apesar de repetidamente desmentidas, persistiram ao longo de dois séculos.

E muitos desses mitos ressurgiram nas redes sociais esta semana, após a notícia da morte de Lord Jacob Rothschild que, aos 87 anos, era considerado o chefe da veia britânica da família.

Mas qual é a origem desta dinastia e quanto poder eles chegaram a ter realmente?

Do gueto à corte real

Nascido em 1744, Mayer Amschel Rothschild era filho de uma modesta família de comerciantes, na qual também havia rabinos renomados, motivo pelo qual seus pais pensavam que o primogênito poderia se dedicar à teologia.

A morte dos pais quando Mayer tinha apenas 11 anos fez com que ele entrasse cedo no mercado de trabalho, com um cargo de aprendiz em um banco em Hanover.

Ele ficou por lá durante muitos anos até que, tendo aprendido e economizado bastante, decidiu retornar a Frankfurt em 1770, onde casou e abriu seu próprio negócio.

Mayer começou negociando moedas antigas, objetos curiosos e obras de arte. Mas assim que juntou capital suficiente, passou a se dedicar exclusivamente às finanças.

Em poucos anos, tornou-se banqueiro e administrador do Condado de Hesse-Cassel, sob Guilherme I, que mais tarde se tornou Guilherme IX.

Nessa posição, ele aumentou a riqueza de Guilherme I e a própria.

Ambos foram favorecidos pelas guerras napoleônicas. Enquanto Guilherme I vendia os serviços dos seus soldados à Inglaterra e à Prússia, Mayer emprestava fundos aos governos para financiar o esforço de guerra

“(Os Rothschilds) foram um dos principais financiadores durante as Guerras Napoleônicas. Eles financiaram o exército britânico, a coalizão contra Napoleão, fizeram empréstimos, venderam ouro e ganharam dinheiro com isso”, disse à BBC Mundo o jornalista americano Mike Rothschild, que apesar do sobrenome nada tem a ver com a dinastia.

“Como a guerra exigia tanto material e era tão cara, eles conseguiram ganhar uma grande quantidade de dinheiro de forma muito rápida,” acrescenta ele, que também é autor de um livro sobre os principais mitos criados em torno da família ao longo de 200 anos.

Em outra obra publicada em 1887, The Rothschilds: the Financial Rulers of Nations, John Reeves conta que durante a guerra peninsular na Espanha e em Portugal (1808–1814) o duque de Wellington teve problemas para garantir o fluxo de dinheiro, pois nenhum banqueiro queria assumir responsabilidade pela transferência dos fundos.

Então os Rothschilds ofereceram-se para o fazer em troca de uma boa comissão. E acabaram administrando a operação, extremamente lucrativa, por cerca de oito anos.

E graças ao sucesso dessa gestão, o governo britânico contratou-os para gerir o envio de fundos a diversos príncipes aliados na Europa continental.

A construção de uma dinastia

Um dos mitos criados em torno da família Rothschild refere-se a uma espécie de plano coordenado para estabelecer sucursais da empresa familiar em várias das principais capitais europeias da época.

O primogénito Amschel permaneceu em Frankfurt e os outros quatro filhos da família estabeleceram sucursais em Londres (Nathan), Paris (Jakob, mais tarde conhecido como James), Viena (Salomon) e Nápoles (Karl).

Isso não aconteceu simultaneamente, no entanto. Passaram-se mais de 15 anos entre a criação do escritório de Londres, em 1804, e das sucursais em Viena e Nápoles, na década de 1820, muitos após a morte do patriarca, em 1812.

Já outro dos mitos, bastante conhecido, tem Nathan Rothschild como protagonista.

Num panfleto publicado em 1846 e assinado com o pseudónimo Satã, que rapidamente se espalhou pela Europa, afirma-se que Nathan fez uso de informações privadas sobre a guerra contra Napoleão para ganhar milhões na bolsa de valores.

O banqueiro teria testemunhado a derrota de Napoleão na Batalha de Waterloo (Bélgica) e viajado rapidamente para Londres, atravessando o Canal da Mancha durante uma forte tempestade, onde teria realizado uma grande compra de ações. O valor delas teria disparado logo depois, quando a notícia do resultado da batalha finalmente chegou à cidade.

O jornalista Brian Cathcart, afirmou em 2015 que a história era falsa. Segundo uma investigação publicada no jornal britânico The Independent, Nathan Rothschild não esteve em Waterloo ou na Bélgica, nem obteve enormes lucros na bolsa de valores naquela ocasião, assim como também não houve forte tempestade no Canal da Mancha.

A história circula há décadas e chegou a ser publicada um das edições de 1910 da conhecida Enciclopédia Britânica.

É verdade que a família acumulou grandes riquezas graças às guerras napoleónicas, mas, como foi ressaltado, graças ao financiamento oferecido a governos e exércitos.

Também é frequentemente dito que os Rothschild enriqueceram contribuindo financeiramente com ambos os lados de um conflito, o que não é verdade, como explicou Mike Rothschild à BBC Mundo.

"Historicamente, houve conflitos em duas nações com presença substancial dos Rothschild entraram em guerra entre si. Você vê isso até mesmo nas Guerras Napoleônicas, em que havia um escritório Rothschild em Paris e um escritório Rothschild em Londres e, dessa forma, a família teve que navegar algumas relações muito complicadas", observa ele.

"Isso não significa que financiassem ambos os lados. Não há provas de que alguma vez o tenham feito. E, na verdade, financiaram constantemente os inimigos de França, até ao fim das Guerras Napoleônicas", acrescenta.

Quando o patriarca morreu, a família já tinha estabelecido uma empresa, a Mayer Amschel Rothschild and Sons, que foi dividida igualmente entre os cinco filhos. Eles receberam instruções paternas para não desperdiçarem a fortuna e permanecerem juntos independentemente do que acontecesse.

De migrantes à Câmara dos Lordes britânica

Essa unidade familiar foi mantida e durante quase um século (1815-1914) os Rothschilds foram donos do que o historiador britânico Niall Ferguson chamou de "facilmente o maior banco do mundo".

Mas não se tratava de um banco tradicional, onde as pessoas depositam suas poupanças e contraem empréstimos, mas sim algo mais parecido com um banco de investimento focado em empréstimos governamentais e venda de títulos.

"Na década de 1820, os Rothschilds dominavam as finanças europeias, desenvolvendo quase sozinhos o que se tornaria o mercado internacional de títulos", observa Mike Rothschild em seu livro "Lasers espaciais judaicos: os Rothschilds e 200 anos de teorias da conspiração".

“Foram conselheiros e credores da realeza europeia, do Vaticano, dos primeiros-ministros e do próprio rei George IV. E agora eram banqueiros da Santa Aliança, o grupo do tratado da Rússia, Prússia e Áustria que surgiu para combater o futuro militarismo francês”, disse ele.

Estima-se que na época de sua morte, em 1836, Nathan era o homem mais rico do mundo.

E com a riqueza também veio o reconhecimento público.

Os cinco filhos do patriarca foram nomeados barões do Império Austríaco e seus descendentes conseguiram integrar-se às camadas mais altas da sociedade.

Lionel Nathan de Rothschild (1808-1879), por exemplo, foi o primeiro judeu na história a virar membro do Parlamento Britânico.

Foi ele também quem, num curto espaço de tempo, concedeu o empréstimo de 4 milhões de libras que permitiu ao governo britânico tornar-se acionista do Canal de Suez em 1875.

Seu primo Mayer Alphonse de Rothschild (1827-1905), da ala francesa da família, chefiou a aliança de bancos que possibilitou os dois grandes empréstimos de que o governo francês precisava para pagar as reparações exigidas na década de 1870 após a derrota na Guerra Franco-Prussiana.

Isto facilitou a retirada das tropas estrangeiras que se encontravam na França e garantiu a permanência do presidente Adolphe Thiers no poder.

Nathaniel Mayer (Natty) de Rothschild (1840-1915), filho de Lionel Nathan de Rothschild, foi o primeiro judeu a entrar para a Câmara dos Lordes britânica, tornando-se o primeiro Lord Rothschild.

Ao longo do século XIX, os negócios da família continuaram a prosperar e a se diversificar para além do banco e do comércio de títulos governamentais.

Eles também investiram em seguradoras e compraram ações de companhias industriais, metalúrgicas, mineradoras, ferroviárias, entre outras.

Além disso, financiaram, no século XIX, várias aventuras coloniais europeias na África, especialmente na África do Sul.

“Eles também foram cúmplices ou, pelo menos, ambivalentes em relação a muitos dos abusos cometidos contra as pessoas que viviam nessas terras”, observa Mike Rothschild em seu livro.

O negócio bancário continuou crescendo, mas no final do século XIX eles já enfrentavam a concorrência de outros grandes grupos europeus e americanos que colocaram fim ao domínio da família no setor.

O sionismo e Israel

Tradicionalmente, o chefe da família Rothschild no Reino Unido é considerado o representante da comunidade judaica no país.

A família teve um papel de destaque na criação do Estado de Israel.

Edmond James de Rothschild (1845-1934), neto do patriarca e filho mais novo de James de Rothschild, foi um dos grandes incentivadores do sionismo, a ideia de estabelecer uma pátria para o povo judeu.

Sensibilizado pelo antissemitismo e pelas ameaças enfrentadas pelos judeus na Europa no final do século XIX, Edmond destinou grandes recursos para a compra de terras na Palestina, então sob o domínio do Império Otomano.

Edmond financiou o estabelecimento de colônias judaicas, bem como o desenvolvimento da agricultura e da indústria nessas terras. Quando ele morreu, em 1934, seu legado estava representado em cerca de 500 quilômetros quadrados de terra e quase 30 assentamentos.

Embora tenha sido enterrado em Paris, onde morreu, os restos mortais de Edmond e de sua esposa, Adleheid, foram transportados para Israel em 1954 a bordo de uma fragata, onde receberam um funeral de estado liderado pelo primeiro-ministro David Ben Gurion.

Lionel Walter (Walter) Rothschild (1868-1937), o segundo Lord Rothschild, também desempenhou um papel central na abertura do caminho para a possibilidade de criação do Estado de Israel. Foi ele quem recebeu a famosa Declaração Balfour, um documento assinado em 1917 no qual o governo britânico anunciou seu apoio à criação de "um lar nacional para o povo judeu" na Palestina.

Conforme revelado em entrevista concedida em 2017 pelo recentemente falecido Jacob Rothschild, o quarto Lord Rothschild, a preparação dessa declaração exigiu cinco rascunhos, e sua prima Dorothy de Rothschild teve papel de destaque em sua concretização. Ainda que muito jovem, ela ajudou a conectar o cientista Chaim Weizmann – um dos grandes promotores do sionismo que mais tarde seria o primeiro presidente de Israel – com o establishment britânico.

"Foi o maior acontecimento na vida judaica em milhares de anos, um milagre... Precisou-se de 3.000 anos para chegar a isso", disse Jacob Rothschild na entrevista sobre a Declaração Balfour.

Dorothy de Rothschild também fundou a Yad Hanadiv, uma fundação filantrópica que financiou a construção dos edifícios do Knesset (Parlamento), do Supremo Tribunal e, mais recentemente, da Biblioteca Nacional de Israel.

Jacob de Rothschild chefiou essa fundação nas últimas décadas, que sob sua direção também dedicou esforços a iniciativas educacionais e ambientais, bem como à promoção da igualdade de oportunidades para a minoria árabe em Israel.

“Os Rothschilds ainda são muito reverenciados em Israel, são extremamente importantes. Foram vistos como um dos principais financiadores do movimento sionista”, disse Mike Rothschild à BBC Mundo.

Mas Mike destaca que nem todos os familiares estavam unidos em torno da ideia sionista.

“Enquanto alguns Rothschilds eram extremamente devotos da fundação do Estado de Israel, outros eram, na verdade, bastante contra”, observa.

Após a Primeira Guerra Mundial, o poder e a riqueza dos Rothschilds começaram a declinar e, embora continuassem a ser uma família rica e poderosa, já não tinham o nível de relevância de outros tempos.

Apesar disso, continuaram a ser objeto de mitos e teorias da conspiração. Por quê?

“Os Rothschild seguem despertando tanto interesse porque continuam sendo uma das famílias judias mais conhecidas no Ocidente, e as teorias da conspiração e o anti-semitismo andam absolutamente de mãos dadas”, diz Mike Rothschild.

"As teorias da conspiração geralmente têm algum tipo de elemento antissemita, particularmente algum elemento sobre quem controla a conspiração, quem a financia.

“Muitos daqueles que acreditam em teorias da conspiração tendem a pensar que são os judeus que as criam. E quando se fala de judeus, é muito fácil encontrar o judeu mais conhecido e mais rico”, conclui.




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